sexta-feira, 3 de julho de 2009

Hora da Noite

Lívia de braços fechados no peito. Lívia silênciosa. O frio entrava pelo seu corpo. Mas a música vinha como um calor, um calor e uma alegria.
O seu homem estava longe, morto no mar. Lívia perfeita, de cabelos molhados escorrendo no pescoço. Não veria o cadáver de Guma, que os homens se cansaram de procurar com uma vela no mar de óleo, parado, fechado como o corpo de Lívia.
Os outros rondavam na sua porta. Rondavam seu corpo sem dono, seu corpo perfeito. Lívia desejada por todos fechou os braços sobre o peito. Nenhum soluço balançou seu colo moreno. Vinha a música quente do negro:
.

É doce morrer no mar...


Nenhum soluço. Só o frio que a invade e a visão do mar morto de óleo. Debaixo dele correria o corpo de Guma como um navio sem leme. Os peixes em torno. Iemanjá iria com ele e o cobriria com seus cabelos. Guma iria para outras terras como um marinheiro de um grande navio. Iria passear pelos recantos mais misteriosos do mar, acompanhado de Iemanjá. Seguiria sua rota, marinheiro no mar procurando seu porto.
Lívia olha o mar morto de águas de chumbo. Mar sem ondas, pesado, mar de óleo. Onde estão os navios, os marinheiros e os naufrágios? Mar morto dos soluços, quedê as mulheres que não vêm chorar os maridos perdidos? Onde estão as crianças que morreram na noite do temporal!? Onde está a vela do saveiro que o mar engoliu? E o corpo de Guma, que boiava com longos cabelos morenos na água que era azul? Na água plúmbea e pesada do mar morto de óleo corre como uma assombração a luz de uma vela à procura de um afogado. É mar que morreu, é o mar que está morto, que virou óleo, ficou parado, sem uma onda. Mar morto que não reflecte as estrelas nas suas águas pesadas.
Se a lua vier, se a lua vier com a sua luz amarela, correrá por cima do mar morto e procurará como aquela vela o corpo de Guma, o de longos cabelos morenos, o que marchou pela estrada do mar para o caminho das Terras sem Fim, das costas de Aiocá.
Lívia olha da sua janela o mar morto sem lua. Aponta a madrugada. Os que homens rondavam a sua porta, o seu corpo sem dono, voltaram para as suas casas. Agora tudo é mistério. A música acabou. Aos poucos as coisas se animam, os cenários se movem, os homens se alegram. A madrugada rompe sobre o mar morto.
Só Lívia tem o corpo frio e frio o coração. Para Lívia a noite continua, a noite sem estrelas do mar morto.

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