sábado, 16 de maio de 2009

De corpo e Alma


Algures num desses dias de viagens, de chuva invernosa e mãos húmidas,
no local onde sempre se sentava, de costas viradas para as gentes, de olhos postos no céu!

Foi nessse dia em que a sua alma, sem aviso nem preparo, desintegrou-se do seu corpo de matéria e falou-lhe com toda a calma.

Ela com ela, o espírito que tanto lhe intentava e o corpo fraco fingindo-se domesticado por esta...
Com olhos de espanto olhou para sua alma num sustido destemido, parecendo que já a esperava, havia há muito, e que toda a sua vida tinha rumado àquele encontro divino!

Então a alma falou para o corpo numa voz grave e descontente:
-tenho feito os possíveis pra controlar a tua ira, os teus devaneios, os teus impulsos, mas não me obedesses por isso aqui me encontro declarando-te GUERRA.

O corpo paralisado, parecendo amedrontado com tamanha ameaça, levantou um suspiro e respondeu:

-pois que venha a mim a tua sede, pois que me tentes degolar como tens feito, pois que me tentes, sua puta consporcada, que te julgas como alguém. Vem que toda a minha vida estive à tua espera, e arranca-me os membros, desfaz-me o cérebro se te servir de alguma coisa. Chamas-te alma, mas digo-te que és inferno, veneno puro disfarçado de anjo, mas que carrega o mal em si, esse mal moralista que nos destrói, a mim e a ti já que pertencemos ao mesmo. E ainda queres acreditar na tua infinitude, pois se a tiveres, coitados dos seres em que habitares.

A alma não proferiu palavra, estava em estado de choque com o que acabara de ouvir sobre de si mesma. Respirando fundo e ganhando coragem para suster as lágrimas disse em tom baixinho e manso:

-perdoa-me se é isso que tenho feito sentir, perdoa-me porque quero o teu bem, perdoa-me porque sou tua, estou presa a ti, unida na desunião que nos propuseram. Não fui eu quem quis guerra, foi o Senhor do Universo que nos criou assim! Não podemos pactuar mais com estas desavenças, porque ambos sofremos! Peço-te, imploro-te, que não me vires as costas, que me abraces e serei branda contigo e tu comigo, unidos de vez pois precisamos de estar juntos.

O corpo, não esperando esta resposta da alma, depressa sentiu também um desespero e caíu num mar de lágrimas:

- como eu queria que isso fosse possível, eu e tu como bons amigos, mas como vamos esquecer tudo o que fizemos um ao outro? Apunhalá-mo-nos pelas costas... Como era bom que isso acontecesse...o eu sem eus, o eu de corpo e alma!

O corpo e a alma olharam-se nos olhos, num momento que perdurou milénios na sua história, e num amor há tanto odiado, uniram as mãos e diluiram-se em si!

http://www.youtube.com/watch?v=77d2p2jTdNE&feature=related


3 comentários:

  1. Agarra-me se cair, fala-me para não adormecer, não vás...fica. Não grites, não feches os olhos. Já sabes que estou aqui à espera que acordes e perguntes(se): Afinal valeu a pena?

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